Um dos primeiros setores afetados pela pandemia do Covid-19 (Coronavírus) foram os cinemas. Com suas atividades paralisadas, muitas redes resolveram adotar o drive-in como uma alternativa para continuar exibindo filmes para o público.
Para quem acha que basta colocar um telão e um projetor num grande estacionamento, está enganado. A instalação de um cinema drive-in é burocrática e requer registros como o de um cinema comum.
De maneira resumida, tentaremos contar sobre a história desse tipo de projeção, como foi sua chegada ao Brasil, e principalmente, o porquê de os cinemas drive-in não exibirem lançamentos.
A invenção do cinema drive-in
O cinema drive-in surgiu na década de 30 nos Estados Unidos, embora algumas fontes citem que a origem desta modalidade se deu em 1915 na cidade de Las Cruces, no México. Richard M. Hollingshead Jr. trabalhava em uma loja de peças automotivas e segundo a história, sua mãe era uma mulher que se sentia desconfortável nas poltronas dos cinemas convencionais por estar acima do peso, levando-o a pensar em alternativas para que pessoas como sua mãe pudessem ir ao cinema e sentirem-se confortáveis.
Richard resolveu então pregar uma tela em árvores no quintal, usou um projetor Kodak de 1928 anexo ao capô do carro e colocou um rádio atrás da tela. Após testar opções de som, espaço entre automóveis e distância para ter uma visão clara da tela, solicitou o registro de patente de sua invenção em agosto de 1932, recebendo a patente do “cinema drive-in” em maio de 1933.
Como todo serviço, ainda existiam alguns problemas como o atraso de som, já que as torres de alto-falante ficavam inicialmente posicionadas ao lado ou atrás da tela de projeção, problema corrigido anos depois com a disponibilização do áudio do filme através de estação de rádio que os espectadores podiam sintonizar diretamente em seus veículos.
O cinema drive-in no Brasil
No Brasil, as projeções de filmes ao ar livre para espectadores em seus carros começou na década de 60. Até o início da pandemia do Covid-19, o Cine Drive-In de Brasília, aberto em 1973, era o único estabelecimento em atividade no país.
Mas o alto custo de locação dos terrenos, surgimento do VHS e posteriormente os DVDs e a popularização dos cinemas além dos grandes centros fizeram com que essa modalidade de cinema se tornasse muito custosa para seus proprietários.
Com o advento do streaming, que representa concorrência até mesmo para os cinemas tradicionais, o drive-in acabou caindo no esquecimento do público.
Mas a situação mudou, o grave surgimento do Covid-19 impossibilitou que as salas de cinema continuassem operando normalmente e fez o drive-in ressurgir em diversas regiões do Brasil, lotando espaços e tirando da frente da TV os espectadores que estavam com saudades dos cinemas e tinham como forma de entretenimento as lives ou os serviços de streaming.
Para Tabatha Graça, sócia da rede Cinemaxs de Campo Mourão/PR (cidade com pouco mais de 90 mil habitantes), “o público tem reagido de maneira positiva ao cinema drive-in, gostando da novidade e o mais interessante, retornando para novas sessões”.
Entramos em contato também com Marta Fagundes, administradora do Cine Drive-In de Brasília, que contou como o estabelecimento voltou a operar após o início da pandemia: “Após a reabertura de outros drive-in ao redor do mundo, fizemos um pedido à Casa Civil que autorizou o nosso funcionamento através de um decreto. Reabrimos o estabelecimento no dia 28 de abril, e desde então o Cine Drive-In tem funcionado de maneira diferente, já que não há lançamentos de filmes e não podemos abrir a lanchonete, além é claro, de redobrar os cuidados em relação ao Coronavírus”.
Por que os cinemas drive-in não exibem lançamentos?
Se a modalidade voltou a ficar em alta no Brasil, porque os cinemas drive-in não exibem filmes inéditos? Eis que, para surpresa, o lançamento de filmes inéditos no cinema drive-in não é proibido, mas vários fatores inviabilizam a exibição de lançamentos nesse formato.
Segundo Amanda Machado, gerente regional da Espaço/Z Curitiba (agência que organiza cabines de imprensa e pré-estreias), “os cinemas drive-in não são considerados cinemas tradicionais pois eles não têm registro na ANCINE. E mesmo no caso daqueles que possuam registro na ANCINE, existe uma janela de prioridade em que os filmes inéditos só possam ser exibidos em locais cujos projetores estejam registrados na ANCINE, ou seja, os cinemas tradicionais”.
Amanda ainda completa: “como o drive-in é considerado mais uma espécie de evento do que um cinema, as distribuidoras acabam não autorizando o lançamento de filmes inéditos nesse formato. É uma diretriz mundial, pois há uma restrição maior de quantidade de público, além de dificultar a fiscalização sobre gravações piratas, fazendo com que as distribuidoras não cogitem o lançamento de filmes inéditos no drive-in”.
Segundo Marta Fagundes, o Cine Drive-In de Brasília estava “exibindo lançamentos normalmente simultaneamente aos cinemas tradicionais. Antigamente, os filmes inéditos só poderiam ser lançados após terem sido lançados nos cinemas tradicionais, já que hoje os filmes são armazenados em HD e antigamente ainda era em película. Dessa forma, era necessário aguardar a liberação da película pelos cinemas tradicionais para que o drive-in pudesse exibir”.
Tabatha Graça, sócia da rede Cinemaxs esclarece que as distribuidoras fornecem os títulos disponíveis para exibição, que “são limitados e específicos para projetores de cinemas tradicionais”. “Caso o cinema opte por exibir o filme em tela de LED (caso dos recentes cinemas drive-in), a distribuidora pode optar por não liberar o filme para esse formato de exibição.”
Ainda inédito nos cinemas, o longa de terror nacional Macabro será exibido no cinema drive-in do Cine Belas Artes, em São Paulo, a partir do dia 28 de julho. O longa é baseado na história de crimes bárbaros cometidos pelos irmãos Ibraim e Henrique de Oliveira, conhecidos como os Irmãos Necrófilos, que aterrorizaram Nova Friburgo/RJ em meados da década de 1990.
Desta forma, percebe-se que se trata muito mais de uma preferência comercial das distribuidoras do que uma questão legal. Ou seja, os cinemas drive-in podem exibir lançamentos, desde que a distribuidora autorize a reprodução do filme nesse formato.
É necessário lembrar que, as distribuidoras só autorizam a reprodução de filmes em cinemas drive-in devidamente legalizados e registrados na ANCINE, e são poucos os casos no Brasil. Este é um agravante que prejudicaria a bilheteria dos lançamentos no país, restando às distribuidoras autorizar a exibição de filmes recém saídos dos cinemas.
Há uma semana atrás, entramos em contato com a ANCINE e a MPA (Motion Picture Association) para comentar sobre os cinemas drive-in, mas até o momento da divulgação da matéria não tivemos retorno sobre o assunto.
Valorize o cinema drive-in legalizado
A estrutura de um cinema drive-in não é barata. Normalmente é necessário um amplo espaço para que os veículos possam ser manobrados com segurança, custo com equipamentos como projetor, tela, é necessário a criação de uma estação de rádio para transmissão do áudio, entre outros investimentos.
E em tempos de pandemia, ainda é necessário que o espaço entre os veículos seja maior, diminuindo a capacidade de público e em muitos casos, tudo isso para a exibição diária de apenas um filme já que inúmeras prefeituras limitaram o período de atividades comerciais para conter o avanço do Covid-19.
Não bastasse o citado, ainda há outro problema: os cinemas drive-in piratas! Enquanto cinemas tradicionais precisam investir em estrutura e pagar taxas para a implementação da modalidade drive-in, há aqueles que se aproveitam do boom do segmento para lucrar de maneira ilegal com a exibição de filmes sem repassar os devidos valores aos estúdios e distribuidoras, e pior, sem o pagamento de impostos municipais para a realização da atividade.
Ainda questionamos a ANCINE para saber quais ações serão tomadas para auxiliar cinemas independentes (cinemas de rua, cinemas de pequenas cidades), caso as medidas de isolamento social tenham que ser prolongadas devido ao Coronavírus e obtivemos a seguinte resposta da ouvidoria do órgão:
Secretaria de Políticas de Financiamento – SEF respondeu que:
“Foi aprovada na reunião do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) do dia 24 de junho a proposta de criação do Programa de Apoio Especial ao Pequeno Exibidor. Serão destinados recursos do Fundo no valor de R$ 8,5 milhões que poderão ser usados para custear folha de pagamento, serviços terceirizados, fornecedores de equipamentos e despesas correntes relativas ao funcionamento das salas, para pequenos grupos exibidores de até 30 salas. A ANCINE estima que tenham direito ao apoio mais de 700 salas de exibição, em 325 complexos de 185 empresas diferentes, em 24 unidades federativas do país.
Após a aprovação do Comitê Gestor, o edital, com as condicionantes e regras para acesso ao recurso, será lançado pelo agente financeiro do FSA (BRDE). O lançamento do edital terá ampla divulgação da ANCINE e do agente financeiro, em seus respectivos endereços eletrônicos.
O Comitê Gestor aprovou ainda outras medidas emergenciais: Linha de Crédito Emergencial para o Setor Audiovisual; Suspensão temporária de pagamentos da Linha de Crédito do Programa Cinema Perto de Você; Suspensão dos prazos para cumprimento de obrigações impostas pelo FSA durante os efeitos diretos da Covid-19. Mais detalhes podem ser acessados no endereço eletrônico: https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/comit-gestor-do-fsa-aprova-medidas-de-amparo-ao-setor-audiovisual”.
Como você pode ver, inúmeros fatores ainda inviabilizam a exibição de filmes inéditos nos cinemas drive-in pelo Brasil, portanto, recomendamos a valorização das redes de cinemas legalizadas que estão investindo para levar ao público estruturas de drive-in seguras e modernas, promovendo a magia do cinema com um clima nostálgico, num momento que o distanciamento social é crucial para salvar vidas.
Gostou da máteria? Acesse o site Coletivo Nerd e confira essa e outras matérias deles!